Imensidão azul

Deborah Paiva :: Menina com guarda-chuva :: 2014

 

Descobri a pintura de Deborah Paiva quando vi, pela primeira vez, a imagem que ilustra este texto. Eram meados de 2015 e a imagem me saltou aos olhos em uma rede social, por meio de uma amiga em comum. No mesmo instante vieram à minha mente, todos misturados, os azuis de Kieslowski, o cotidiano de Hopper, as cenas capturadas por  Sophie Calle para sua série ‘Voir la mer‘ e os bordados de Louise Bourgeois que compõem a ‘Ode a la Bièvre‘. Uma imagem que me tocou (e ainda toca) por entrelaçar, com elegância e delicadeza, silêncio e solidão, melancolia e contemplação, intimidade e imensidão.

 

A obra integrava a exposição ‘A liberdade é azul’, que Deborah tinha acabado de inaugurar no Museu de Arte Contemporânea de Campinas. Além dessa, outras pinturas de grandes dimensões e infinitos azuis colocavam o observador perto – mas não dentro – de situações cotidianas, cujos personagens (em sua maioria femininos) se mostravam paradoxalmente desprovidos de persona: nenhuma face, nenhuma narrativa explícita, nenhuma história revelada. Apenas momentos congelados de um cotidiano comum – e comum não apenas por sua frugalidade, mas também pela possibilidade de pertencer a qualquer pessoa, personagem ou observador.

 

Menos de dois anos depois, a artista inaugurou outra belíssima exposição na Galeria Rabieh, em São Paulo. Em ‘Um dia comum’, Deborah continuava observando o mundo com seu olhar sensível e atento, capaz de capturar em cenas corriqueiras e aparentemente banais o momento preciso em que a existência humana toca a eternidade – aquele instante fugaz em que tudo ao nosso redor parece entrar em estado de suspensão para que exista apenas um universo interior.

 

Ferreira Gullar (1930-2016) costumava dizer que a verdadeira arte traz em sua essência uma complexa uma alquimia, que é a capacidade de transformar ‘sofrimento em alegria, isto é, em beleza’ (1). Para ele, ‘a arte sempre teve (e tem) a ver com a beleza, porque, do contrário, não nos daria prazer’. E é essa alquimia de que fala Gullar que se percebe na obra de Deborah. Não bastasse o caráter universal das cenas que retrata, a artista transforma solidão e melancolia em lindos azuis, rosas delicados ou cinzas sutis, e (re)constrói, com beleza, poesia e personalidade, a vida de cada personagem – e a de cada um de nós.

 

Como disse Ferreira Gullar em sua frase mais famosa, ‘a arte existe porque a vida não basta’. Artistas como Deborah, ao traduzirem em beleza nosso cotidiano, ampliam os prazeres de nossa vida – e a dimensão de nossa existência.

 

(1) ‘Arte como alquimia‘, texto de Ferreira Gullar publicado no jornal Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2015

 

Este texto não teria sido escrito sem a leitura prévia dos seguintes artigos:
Sobre inflexões na pintura de Deborah Paiva‘, Afonso Henrique Martins Luz, Galeria Virgílio, São Paulo, 2012; ‘Exercício de olhar, Aracy Amaral, Museu Lasar Segall, 2012; ‘Um dia comum‘, Douglas de Freitas, Galeria Rabieh, 2017.

Múltiplas escolhas

Pantone guide :: ©Pantone.com

 

Catálogos referenciais vêm sendo utilizados desde o século XVI como instrumentos de trabalho por todas as áreas das artes decorativas. Tendo como finalidade experimentação, documentação, comercialização ou divulgação, são peça dotadas de uma beleza muito particular pois, reunindo inúmeras possibilidades de cores, desenhos, formas ou texturas, trazem aos olhos a percepção da variedade – e, fazendo-o dentro de certa ordem criteriosa, possibilitam relfexão, compreensão e prazer. (Citando Montesquieu: ‘Não basta mostrar muitas coisas à alma: é preciso fazê-lo numa ordem, pois assim nos lembramos do que vimos e começamos a imaginar o que veremos; a alma assim se felicita por sua amplitude e sua capacitade de penetração.‘)

 

Sobre esse tema, em 2008 o Cooper-Hewitt Museum exibiu uma belíssima exposição chamada ‘Multiple Choices – From Sample to Product’ (‘Múltiplas Escolhas – Do Modelo ao Produto‘). Os itens expostos iam de catálogos de vendas com modelos de botões de uma indústria francesa no século XVIII, passando por placas cerâmicas com referências das cores das porcelanas de Sèvres, até os atuais Pantone® Guides – cadernos, livros e objetos de beleza ímpar, capazes de encher os olhos e tirar o fôlego.

 

O contato com o universo de cores, formas e suas infinitas associações é uma experiência multisensorial capaz de produzir os mais diferentes efeitos sobre nós. Resultantes das diferentes reflexões da luz que incidem sobre um objeto e chegam a nossos olhos para então serem decodificadas pelo cérebro, as cores provocam diferentes estímulos e sensações. Um mesmo elemento, bi ou tridimensional, que nos seja apresentado em diferentes cores terá sobre nós efeitos diversos – da alegria à tristeza, da calma à excitação. Um belo exemplo disso é o PantoneHotel, inaugurado em 2010 em Bruxelas. Convidando a ‘experimentar a cidade por meio da lente das cores’, o hotel atribuiu a cada um de seus 7 andares diferentes paletas cromáticas, objetivando assim proporcionar a seus hóspedes diferentes sensações – nesse caso, cuidadosamente estudadas para se converterem em diferentes prazeres.

 

Saiba mais em:

http://www.pantonehotel.com/