Diálogo sensível
A ideia do belo como algo indiscutível, reconhecido como tal a qualquer tempo e por qualquer cultura, permeia desde sempre o imaginário humano. Da matemática das proporções na Grécia Antiga ao conceito contemporâneo de liberdade e pluralidade, a busca do homem por entender e construir a beleza absoluta esteve presente todo o tempo (sobre o tema, disserto um pouco mais em meu texto ‘A beleza da imperfeição‘).
Nesse percurso, a natureza se impôs como grande espelho. O entendimento universal de que a ela seria intrínseca a perfeição (e, portanto, a beleza) fez com que suas formas, cores e texturas fossem incessantemente estudadas e copiadas, não apenas no campo das artes, da arquitetura e do design, mas também no da matemática e no das ciências.
Um dos grandes estudiosos da natureza no século XX foi Tapio Wirkkala, o principal nome do design finlandês. Embora tenha viajado muito ao longo da vida, representando seu país em inúmeras exposições e premiações pelo mundo, era nas florestas do interior da Finlândia que o Wirkkala passava a maior parte de seu tempo. Em meio à natureza, sua personalidade contemplativa e reservada encontrava inspiração – as folhas das árvores, as espirais das conchas, os blocos de gelo e as formas de pássaros e peixes eram temas para seu trabalho.
Nascido em Häggo em 1915, desde muito cedo Wirkkala demonstrou excepcional habilidade com as mãos e grande talento para desenho. Aos 15 anos começou a estudar escultura e aos 30, já trabalhando como ‘artista comercial’, obteve o primeiro lugar em um concurso de design em vidro promovido pela iitala – premiação essa que inaugurou uma sólida parceria profissional com a empresa, que duraria até sua morte, em 1985.
A consagração mundial veio em 1951, quando, na Trienal Internacional de Milão, Wirkkala recebeu três Grand Prix: um por seu desenho para o Pavilhão Finlandês na própria mostra; outro, para o vaso de vidro ‘Kantarelli‘; e outro ainda para ‘Lehti‘ (‘folha’, em finlandês), um de seus primeiros trabalhos em madeira compensada. No mesmo ano, ‘Lehti‘ recebeu também o importante Lunning Prize, e foi considerado o objeto mais belo do mundo pela conceituada revista americana House Beautiful.
Versátil, hábil, curioso e extremamente produtivo, Wirkkala exercitou seu talento nos mais diversos materiais – além de vidro e madeira, trabalhou com metal, cerâmica, plástico e papel. Costumava dizer que ‘os materiais têm suas próprias leis, não escritas‘, e que o designer deveria entender essas leis para ‘estar em harmonia com o material que escolhe’.
E talvez seja a (perfeita) harmonia o grande diferencial da obra do artista. Não bastasse o profundo entendimento dos materiais, sua relação com as formas da natureza era tão íntima que lhe possibilitou traduzir o universo rural de seu país em objetos extremamente belos e elegantes, cujos desenhos esculturais são também uma lição de funcionalidade e estrutura. Na obra de Wirkkala, a forma não é apenas um objetivo estético – nasce naturalmente do diálogo sensível entre olhos, pensamento, mãos e material.
Hoje, suas criações estão presentes nos principais museus e coleções de todo o mundo, assim como muitos dos utensílios que desenhou continuam a ser produzidos em larga escala, permeando milhares de residências ao redor do planeta. Por meio das mãos de Tapio Wirkkala, talvez o ser humano tenha finalmente conseguido construir o belo absoluto, indiscutível e atemporal – mesmo que seja esse um espelho da natureza.