Silencioso entendimento

Issey Miyake by Irving Penn

 

O americano Irving Penn foi o um dos grandes responsáveis pela construção da imagem da mulher ocidental da segunda metade do século XX. Tendo ingressado na Vogue ao final da década de 40 pelas mãos de Alexander Liberman (com a função de ‘dar ideias para as capas’), acabou por se firmar como talentoso criador de imagens de moda, repletas do glamour e da sensualidade aos quais aspirava a sociedade americana do pós-guerra.

 

Se por um lado seu olhar quase aristocrático privilegiava poses de rígido formalismo – que remetiam às fotografias das décadas anteriores –, por outro lado o minimalismo e o despojamento percebidos nas imagens que criava sem dúvida mostravam o caráter inovador de seu trabalho. Mesmo quando a própria moda era construída por excessos, pelo olhar sensível de Penn filtrava-se o supérfluo, e o resultado eram sempre imagens de grande elegância e sofisticada simplicidade.

 

Nascido em Hiroshima 7 anos antes de a cidade ser destruída pela guerra, Issey Miyake é sem dúvida um dos mais geniais designers contemporâneos. Muito além do rótulo de ‘designer japonês’ que a imprensa internacional lhe costuma atribuir, Miyake jamais restringiu-se à identidade nacional, buscando sempre o equilíbrio entre tradição e inovação para criar projetos universais. ‘Eu crio não para expressar meu ego ou personalidade, mas para tentar trazer respostas àqueles que estão se perguntando sobre nossa era e como deveríamos viver nela.’

 

Partindo de um conceito simples e minimalista – ‘fazer roupa a partir de um pedaço de pano’ – o trabalho de Miyake resulta do antigo princípio de envolver uma figura tridimensional com material bidimensional utilizando-se de dobras. Aliando tecidos japoneses a cortes ocidentais, a novas tecnologias e ao conceito de funcionalidade, seu less is more constrói arquitetonicamente formas simples, elegantes e de rara beleza.

 

Ao longo de mais de 20 anos, entre 1975 e 1998, Irving Penn retratou o trabalho de Issey Miyake. A união entre esses dois artistas de origens culturais tão diferentes foi registrada em 1999 no belíssimo livro ‘Irving Penn regards the works of Issey Miyake’, de Midori Kitamura e Mark Holborn, e que depois gerou uma exposição na 21-21 Design Sight em Tóquio, Japão.

 

Esse encontro, que a princípio pareceria insólito, produziu centenas de imagens arrebatadoras, na medida em que o trabalho de um acabou se tornando espelho para o trabalho do outro. Sob o olhar de Penn, as poses das modelos fizeram das roupas de Miyake verdadeiras esculturas, em cenas que mais se parecem com fragmentos de uma dança; Miyake, por sua vez, ofereceu a Penn a chance de exercitar seu rigor formal com texturas, formas e máscaras vindas de outra cultura. E da união desses dois ‘mestres da redução’, como os definiu Holborn na introdução do livro, surgiram imagens secas, exatas e cortantes, que não oferecem espaço para nada além do essencial.

 

O resultado dessa bela parceria, a que Miyake poeticamente chamou de ‘silencioso entendimento’, comprova que os conceitos de beleza e elegância podem, sim, ser universais – e podem delicadamente tocar as mais diferentes almas por toda a eternidade.