Minha cidade, meus caminhos

©Cássio Vasconcellos :: séria aéreas #1 2010-2014 :: São Paulo #4

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nasci e vivo em São Paulo, dirijo (e gosto de dirigir) há mais de trinta anos, e há algum tempo venho me percebendo na contramão da grande maioria dos motoristas de minha cidade. Explico: não sou usuária do Waze. Aliás, não tenho nenhum apreço pelo aplicativo, e por vários motivos. Primeiro, por uma enorme dificuldade em obedecer a comandos: ‘Em 300 metros, vire à direita.’ ‘Vire à direita’. Não sei consigo lidar com o imperativo.

 

Depois, minha formação em arquitetura e urbanismo me fez desenvolver uma relação carinhosa com mapas e guias de rua. Gosto de ler, analisar, deduzir a geografia, estudar possibilidades de caminhos, imaginar as paisagens… Conheço razoavelmente a cidade, ou pelo menos as regiões pelas quais circulo, e tenho um mapa mental dessas áreas bastante detalhado. Quando preciso me deslocar por outras, desconhecidas, consulto previamente a cartografia digital, estudo as associações entre caminhos capazes de me conduzir ao endereço inédito, e me lanço ao desconhecido. Sim, há nisso uma certa aventura, um risco (calculado) de me perder… mas a sensação de plenitude ao desbravar ruas e avenidas até então estrangeiras é, para mim, indescritível – sinto como se me apropriasse cada vez mais desta minha cidade.

 

Por fim, eu e Waze temos diferentes pontos de vista sobre o deslocamento: ele pensa o deslocamento pelo critério da rapidez, eu penso pelo critério da beleza (e também pelo da memória afetiva). Enquanto ele se preocupa em não ‘perder’ um minuto a mais no trânsito, eu me preocupo em qualificar os minutos que, já sei, necessariamente serão dispendidos em meu trajeto.

 

São Paulo é uma megalópole com um modelo de mobilidade ainda calcado em veículos individuais motorizados e sistema de transporte público extremamente deficitário. Qualquer deslocamento por automóvel leva sempre mais tempo do que deveria (ou gostaríamos), e lutar contra essa realidade só aumenta nosso nível de stress. Ou seja, fato posto, é preciso lidar com ele – e da melhor maneira possível.

 

Se a cidade oferece um trânsito superlativo e caótico, por outro oferece também imagens capazes de alegrar, surpreender e emocionar. Uma avenida com árvores centenárias; diversos prédios e diferentes arquiteturas; a rua onde morava o primeiro namorado; a outra, por onde caminhava ao levar os filhos à escola. O que se ganha em prazer, não há dúvida, é muito mais relevante do que os minutos economizados em caminhos mais rápidos.

 

E há ainda uma imensa satisfação ao experimentar a cidade que habitamos. Lembrando Calvino, ‘cidade não é apenas um conceito geográfico, mas um símbolo complexo e inesgotável da experiência humana’. Percorrer suas ruas, (re)conhecer cruzamentos, deduzir traçados, descobrir histórias, perder-se e (re)encontrar-se – é também nisso que reside a riqueza da vida urbana. Cruzar a cidade como autômato, obedecendo a comandos de virar à esquerda ou à direita sem se relacionar com esses espaços, e sem interrelacioná-los, é escolher um caminho reducionista – não apenas para o deslocamento, mas também para a vida.

 

Permita-se. Desfrute. Caminhar por São Paulo não pelo trajeto mais rápido, mas por aquele capaz de falar com sua alma, é uma experiência transformadora. Paisagens, sons, cores, formas, cheiros; por meio dos sentidos, é possível acionar a memória, resgatar vínculos, refazer caminhos, lembrar sua história. É possível também tornar-se mais próximo, mais íntimo da cidade – descobrí-la como àquele amigo que, quanto mais perto está, mais querido se faz.

 

Acredite: percorrer a cidade dessa maneira é bem mais prazeroso e enriquecedor do que obedecendo a um robô autoritário, que sequer vive aqui.